quarta-feira, 15 de março de 2017

Modernismo segunda geração

1. (Fuvest 2017)  Leia o trecho de Vidas secas, de Graciliano Ramos, para, em seguida, responder ao que se pede.

            Aí Fabiano parou, sentou-se, lavou os pés duros, procurando retirar das gretas fundas o barro que lá havia. Sem se enxugar, tentou calçar-se – e foi uma dificuldade: os calcanhares das meias de algodão formaram bolos nos peitos dos pés e as botinas de vaqueta resistiram como virgens. Sinha Vitória levantou a saia, sentou-se no chão e limpou-se também. Os dois meninos entraram no riacho, esfregaram os pés, saíram, calçaram as chinelinhas e ficaram espiando os movimentos dos pais. Sinha Vitória aprontava-se e erguia-se, mas Fabiano soprava arreliado. Tinha vencido a obstinação de uma daquelas amaldiçoadas botinas; a outra emperrava, e ele, com os dedos nas alças, fazia esforços inúteis. Sinha Vitória dava palpites que irritavam o marido. Não havia meio de introduzir o diabo do calcanhar no tacão. A um arranco mais forte, a alça de trás rebentou-se, e o vaqueiro meteu as mãos pela borracha, energicamente. Nada conseguindo, levantou-se resolvido a entrar na rua assim mesmo, coxeando, uma perna mais comprida que a outra. Com raiva excessiva, a que se misturava alguma esperança, deu uma patada violenta no chão. A carne comprimiu-se, os ossos estalaram, a meia molhada rasgou-se e o pé amarrotado se encaixou entre as paredes de vaqueta. Fabiano soltou um suspiro largo de satisfação e dor.

a) O trecho pertence à parte de Vidas secas intitulada “Festa”, na qual se narra a ida da família de sertanejos, acompanhada da cachorra Baleia, à cidade, onde deve participar de uma festividade pública. Considerada esta questão no contexto do livro, como se passa essa participação e o que ela mostra a respeito da socialização da família?
b) O tratamento narrativo dado aos eventos apresentados no trecho confere a ele um tom que contrasta com o que é dominante, no conjunto de Vidas secas. Qual é esse tom? Explique sucintamente.
  
2. (Fuvest 2016)  Leia o texto.

(...) Muita gente o tinha odiado. E ele odiara a todos. Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é este homem que corre em sua perseguição na figura dos guardas. Se o levarem, o homem rirá de novo. Não o levarão. Vêm em seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernas não para. Sobe para o pequeno muro, volve o rosto para os guardas que ainda correm, ri com toda a força do seu ódio, cospe na cara de um que se aproxima estendendo os braços, se atira de costas no espaço como se fosse um trapezista de circo.
A praça toda fica em suspenso por um momento. “Se jogou”, diz uma mulher, e desmaia. Sem-Pernas se rebenta na montanha como um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio. O cachorro late entre as grades do muro.

Jorge Amado, Capitães da Areia.





Para responder ao que se pede, atente para as informações referentes à localização espacial dessa cena, na qual se narram a perseguição e a morte de Sem-Pernas.

a) A cena se passa diante do conhecido Elevador Lacerda (foto acima), que vem a ser um dos mais famosos “cartões-postais” de Salvador, Bahia. Qual é o efeito de sentido introduzido na cena por essa característica da localização espacial?
b) Observe que o Elevador Lacerda, de uso público, situa-se no desnível brusco e pronunciado que, em Salvador, separa a “Cidade Alta” (parte mais moderna da cidade, considerada seu centro econômico) da “Cidade Baixa” (sobretudo portuária e popular). Que sentido essa característica do espaço confere à cena?
  
3. (Unicamp 2015)  Leia os excertos a seguir.

Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito... Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andar certo? Não sabia.
RAMOS, Graciliano, Vidas secas. 118ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 25.

Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos.
RAMOS, Graciliano, Vidas secas. 118ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 35.


a) Nos excertos citados, a seca e a falta de educação formal afetam a existência das personagens. Levando em conta o caráter crítico e político do romance, relacione o problema da seca com a questão da escolarização no que diz respeito à personagem Fabiano.
b) “Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.” Descreva uma passagem do romance em que, por não saber ler e escrever, Fabiano é prejudicado e não consegue se defender.
  
4. (Unicamp 2015)  Os guardas vêm nos seus calcanhares. Sem-Pernas sabe que eles gostarão de o pegar, que a captura de um dos Capitães da Areia é uma bela façanha para um guarda. Essa será a sua vingança. Não deixará que o peguem. (...) Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é este homem que corre em sua perseguição (...). Vêm em seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernas não para. (...) Sem-Pernas se rebenta na montanha como um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio.

AMADO, Jorge, Capitães da Areia. 19ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 242-243.

a) Levando em conta o trecho em questão e a obra como um todo, qual é a imagem dos socialmente excluídos de quem Sem-Pernas é representativo no trecho?
b) “Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam”. Diante dessa lembrança recorrente, evocada durante sua perseguição pelos policiais, qual é o sentido da simbólica vingança de Sem-Pernas?
  
5. (Unicamp 2015)  Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu
Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão as mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.51.


a) Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa primeira estrofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta.
b) O último verso (“A vida apenas, sem mistificação”) fornece para o leitor o sentido fundamental do poema. Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra “mistificação”?
  
6. (Fuvest 2013)  Leia o seguinte poema.

TRISTEZA DO IMPÉRIO

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra-li-vre sus-pi-rar”,
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.

a) Compare sucintamente “os conselheiros” do Império, tal como os caracteriza o poema de Drummond, ao protagonista das Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
b) Ao conjugar de maneira intempestiva o passado imperial ao presente de seu próprio tempo, qual é a percepção da história do Brasil que o poeta revela ser a sua? Explique resumidamente. 
  
7. (Unicamp 2012)  Os trechos a seguir foram extraídos de Memórias de um sargento de milícias e Vidas secas, respectivamente.

O som daquela voz que dissera “abra a porta” lançara entre eles, como dissemos, o espanto e o medo. E não foi sem razão; era ela o anúncio de um grande aperto, de que por certo não poderiam escapar. Nesse tempo ainda não estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o de um modo em harmonia com as tendências e ideias da época. O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo o que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial. Entretanto, façamos-lhe justiça, dados os descontos necessários às ideias do tempo, em verdade não abusava ele muito de seu poder, e o empregava em certos casos muito bem empregado.

(Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978, p. 21.)

Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro de Fabiano:
– Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro?
Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de seu Tomás da bolandeira:
– Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.

(Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 28.)

a) Que semelhanças e diferenças podem ser apontadas entre o Major Vidigal, de Memórias de um sargento de milícias, e o soldado amarelo, de Vidas secas?
b) Como essas semelhanças e diferenças se relacionam com as características de cada uma das obras?
  
8. (Ufmg 2012)  Leia este texto:

O céu, transparente que doía, vibrava tremendo feito uma gaze repuxada.
Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza.
Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas.
E o chão, que em outro tempo a sombra cobria, era uma confusão desolada de galhos secos, cuja agressividade ainda mais se acentuava pelos espinhos.

QUEIROZ.
Rachel de. O quinze. São Paulo: Círculo do Livro, 1992. p. 17-18.

Nesse texto, o narrador refere-se à seca nordestina. Identifique e explique a tendência, na literatura brasileira, de os romancistas se disporem a escrever sobre essa temática.
  
9. (Fuvest 2012)  Leia o seguinte excerto de Capitães da areia, de Jorge Amado, e responda ao que se pede.

O sertão comove os olhos de Volta Seca. O trem não corre, este vai devagar, cortando as terras do sertão. Aqui tudo é lírico, pobre e belo. Só a miséria dos homens é terrível. Mas estes homens são tão fortes que conseguem criar beleza dentro desta miséria. Que não farão quando Lampião libertar toda a caatinga, implantar a justiça e a liberdade?

Compare a visão do sertão que aparece no excerto de Capitães da areia com a que está presente no livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, considerando os seguintes aspectos:

a) a terra (o meio físico);
b) o homem (o sertanejo).

Responda, conforme solicitado, considerando cada um desses aspectos nas duas obras citadas.
  
10. (Ufba 2012)  I.

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

ANDRADE, Carlos Drummond de. Confidência do Itabirano. In: MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 97-98.

II.

Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso
Quem sabe de mim sou eu
Aquele abraço!
Pra você que me esqueceu
Ruuummm!
Aquele abraço!
Alô Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!

GIL, Gilberto. Aquele abraço. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/gilberto-gil/ 16138/7>. Acesso em: 23 ago. 2011. Fragmento.

Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade e o fragmento da canção “Aquele abraço”, de Gilberto Gil, e teça um comentário sobre a presença da terra natal na configuração da vida de cada sujeito lírico.
  
11. (Unicamp 2012)  O excerto abaixo foi extraído do poema Balada Feroz, de Vinícius de Moraes.

(...) Lança o teu poema inocente sobre o rio venéreo engolindo as cidades
Sobre os casebres onde os escorpiões se matam à visão dos amores miseráveis
Deita a tua alma sobre a podridão das latrinas e das fossas
Por onde passou a miséria da condição dos escravos e dos gênios. (...)
Amarra-te aos pés das garças e solta-as para que te levem
E quando a decomposição dos campos de guerra te ferir as narinas, lança-te sobre a cidade mortuária
Cava a terra por entre as tumefações e se encontrares um velho canhão soterrado, volta
E vem atirar sobre as borboletas cintilando cores que comem as fezes verdes das estradas.
(...)
Suga aos cínicos o cinismo, aos covardes o medo, aos avaros o ouro
E para que apodreçam como porcos, injeta-os de pureza!
E com todo esse pus, faz um poema puro
E deixa-o ir, armado cavaleiro, pela vida
E ri e canta dos que pasmados o abrigarem
E dos que por medo dele te derem em troca a mulher e o pão.
Canta! canta, porque cantar é a missão do poeta
E dança, porque dançar é o destino da pureza
Faz para os cemitérios e para os lares o teu grande gesto obsceno
Carne morta ou carne viva – toma! Agora falo eu que sou um!

(Vinícius de Moraes, Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 51-53.)

a) Como é próprio do modernismo poético, os versos acima contrariam a linguagem mais depurada e as imagens mais elevadas da lírica tradicional. Como podemos definir as imagens predominantes em Balada feroz? A que se referem tais imagens?
b) Qual é o papel da poesia e do poeta diante da realidade representada?
  
12. (Fgv 2012)  Estes fragmentos pertencem a um Relatório escrito por Graciliano Ramos e enviado ao Governador de Alagoas, quando o escritor ocupava o cargo de prefeito de uma cidade do interior desse estado.

“Em janeiro do ano passado, não achei no Município nada que parecesse com lei, fora as que havia na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.
Constava a existência de um código municipal, coisa inatingível e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quase a recorrer ao espiritismo, convenci-me que o código era uma espécie de lobisomem.
Afinal, em fevereiro, o secretário descobriu-o entre papéis do Império. Era um delgado volume impresso em 1865, encardido e dilacerado.”
“Se a iluminação da cidade custou muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.”
“Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama.”

Graciliano Ramos, Relatório, in Viventes das Alagoas. São Paulo: Martins, 1967.

a) A leitura do texto revela algumas características do modo de administrar do prefeito Graciliano Ramos. Indique duas delas, explicando sucintamente.
b) No que toca à linguagem utilizada em sua redação, o texto corresponde ao que se espera de um Relatório administrativo padrão? Justifique sua resposta.
  
13. (Unicamp 2011)                   Poética I

            De manhã, escureço
            De dia, tardo
            De tarde anoiteço
            De noite ardo

            A oeste a morte
            Contra quem vivo
            Do sul cativo
            O este é meu norte.
   
            Outros que contem
            Passo por passo
            Eu morro ontem

            Nasço amanhã
            Ando onde há espaço.
            -- Meu tempo é quando.

Nova York, 1950
(Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.272.)

a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a língua é muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais. Isso é particularmente visível no modo como o poema explora os marcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos presentes no poema que confirmem essa afirmação.
b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eu lírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição.
  
14. (Ufmg 2011)  Leia e compare estes trechos:

Trecho 1

            Escrevi muito, não me pejo de confessá-lo. Em Turmalinas, gozei de evidente notoriedade, a que faltou, entretanto, para duração, certo trabalho de jardinagem. É verdade que Turmalinas me compreendia pouco, e eu a compreendia menos. Meus requintes espasmódicos eram um pouco estranhos a uma terra em que a hematita calçava as ruas, dando às almas uma rigidez triste. Entretanto, meu nome em letra de forma comovia a pequena cidade, e dava-lhe esperança de que o meu talento viesse a resgatar o melancólico abandono em que, anos a fio, ela se arrastava, com o progresso a 50 quilômetros de distância e cabritos pastando na rua.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos de aprendiz (*). 57. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 149-150.

(*) A resposta a esta questão independe da leitura prévia dessa obra.


Trecho 2

            Alguns anos vivi em Itabira.
            Principalmente nasci em Itabira.
            Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
            Noventa por cento de ferro nas calçadas.
            Oitenta por cento de ferro nas almas.
            E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
           
            A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
            vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
            E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
            é doce herança itabirana.
           
            De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
            este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
            esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
            este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
            este orgulho, esta cabeça baixa...
           
            Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
            Hoje sou funcionário público.
            Itabira é apenas uma fotografia na parede.
            Mas como dói!

ANDRADE, Carlos Drummond de. Confidência do itabirano. Obras completas. Poesia e prosa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 57.

Com base na comparação entre os trechos lidos, explique como as características das cidades  no caso, Turmalinas e Itabira  se refletem na personalidade do narrador (Trecho 1) e do poeta (Trecho 2).

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
O sobrevivente

            Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
            Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
            O último trovador morreu em 1914.
            Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
           
            Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
            Se quer fumar um charuto aperte um botão.
            Paletós abotoam-se por eletricidade.
            Amor se faz pelo sem-fio.
            Não precisa estômago para digestão.
           
            Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
            muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
            Mas até lá, felizmente, estarei morto.
           
            Os homens não melhoraram
            e matam-se como percevejos.
            Os percevejos heroicos renascem.
            Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
            E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

            (Desconfio que escrevi um poema.)

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

15. (Uerj 2011)  Em um dos versos do poema, observa-se uma aparente contradição entre dois termos.
Identifique esse verso e explique por que, de acordo com a leitura do texto, a associação entre os termos não é contraditória.  
Gabarito: 

Resposta da questão 1:
 a) No capítulo “Festa”, de Vidas secas, Fabiano e a família se encaminham para a cidade para participar dos festejos de Natal. No entanto, o texto revela um profundo desconforto com a situação, que pode ser representado, metaforicamente, pela dificuldade de Fabiano de colocar as botinas. A família de retirantes sofre os males não apenas da seca, mas também da exclusão social. A festa, que deveria ser um momento de socialização, serve apenas para que as personagens se deparem com sua inaptidão social.
b) O trecho apresenta descrições mais detalhadas do que no restante da obra. Isso se explica pela mudança de comportamento das personagens que, nesse momento, são menos “bichos” e mais “gente”, uma vez que adotam comportamentos mais “civilizados”, como a preocupação com a forma de se vestir, a higiene, os cuidados pessoais. Trata-se de um capítulo menos “seco”, no sentido existencial, por isso o maior detalhamento na linguagem.   

Resposta da questão 2:
 a) Sem-Pernas, perseguido pela polícia, salta da Cidade Alta que sempre o maltratara para cair na Cidade Baixa a que sempre pertencera. Desta forma, fica evidente que o suicídio do personagem é um ato desesperado no sentido da libertação de um sistema que sempre o oprimiu.

b) Situado no desnível brusco e pronunciado que, em Salvador, separa a Cidade Alta da Cidade Baixa, o espaço representado pelo Elevador Lacerda simboliza o antagonismo das classes sociais daquela cidade e, por extensão, de todo o Brasil.  

Resposta da questão 3:
 a) Em Vidas Secas, Graciliano Ramos pretende mostrar que a secura climática é estendida aos mais diversos aspectos da vida do sertanejo nordestino: as relações humanas são secas, assim como as sociais, políticas e econômicas.
No primeiro trecho, Fabiano pondera a respeito do fim da seca e a alteração da ordem social lá estabelecida; ele não sabe o que aconteceria, porém o autor leva o leitor a concluir que nada seria mudado. Em seguida, Fabiano reflete a respeito do papel da escola: uma vez que não pôde frequentá-la, está restrito a lidar com animais.
Isto posto, percebe-se que a seca é um problema além de climático: ela se estende pelas instituições sociais, impedindo que o indivíduo seja capacitado a alterar a própria vida, a ser protagonista do seu viver.

b) No Capítulo Contas, Fabiano novamente passa por uma situação em que a falta de escolarização interfere negativamente em seu viver.
Ao prestar contas ao dono da fazenda a respeito da venda dos animais que criava, o resultado não coincidiu com o calculado por Sinhá Vitória; sem conseguir argumentar ou se defender, o vaqueiro optou por culpar a esposa, situação preferível a perder a parca situação em que vivia.
Fabiano resignou-se em aceitar os cálculos de seu patrão, permanecendo endividado. Trata-se de um momento de humilhação, em que o vaqueiro conclui que “quem é do chão não se trepa”.  

Resposta da questão 4:
 a) Sem-Pernas é um dos Capitães da Areia, ou seja, representa o menor de idade infrator, menino de rua, resultado do processo de marginalização social e vítima da sociedade opressiva. Sofre com a violência de diversos setores da sociedade, seja a elite, a Igreja ou a Polícia.

b) Ao se jogar do alto da Praça do Palácio, Sem-Pernas impede que a polícia novamente lhe violente: o menor decide por perder a vida, vingando-se daqueles que o surraram. Essa é uma maneira de mostrar que as instituições que, em tese, devem proteger o cidadão não o fazem: mesmo sendo deficiente físico, o garoto fora surrado e, nesse momento da narrativa, é perseguido covardemente a ponto de preferir se atirar de um dos locais mais altos de Salvador a viver.
Ao considerar o policial de quem foge como representante do Estado, a vingança de Sem-Pernas é ampliada, pois ele se vinga ao se tornar sujeito de sua vida, e não mais vítima: ele decide o rumo da própria vida.  

Resposta da questão 5:
 a) A imagem de “O coração está seco” retoma um verso anterior: “E os olhos não choram”, o que a explica. O coração está seco pois não há qualquer índice de sensibilidade na vida do ser humano: não há emoções, não há declarações afetivas (“Tempo em que não se diz mais: meu amor”), nada relacionado aos sentimentos foi considerado válido (“Porque o amor resultou inútil”).

b) A leitura do poema indica que o sentido de “mistificação” é qualquer situação ilusória. Logo na primeira estrofe, o verso “E as mãos tecem apenas o rude trabalho” ilustra o que é “A vida apenas, sem mistificação”.
A vida tornou-se apenas um passar de dias, em que nada mais tem importância, inclusive aspectos negativos: “As guerras, as fomes, as discussões dentro dos / edifícios / provam apenas que a vida prossegue”.  

Resposta da questão 6:
 a) Os “conselheiros” do Império, citados no poema de Drummond, são representantes de uma elite burguesa que se caracteriza pela insensibilidade social e alienação política, grupo em que está inserido também Brás Cubas, protagonista do romance de Machado de Assis. Entregues a futilidades e a prazeres imediatos, esquecem os verdadeiros dramas que os cercam, moldam as suas vidas de acordo com os interesses individuais de um mundo de aparências e experimentam o tédio e a angústia de quem não luta pela realização pessoal.
b) Ao conjugar o passado imperial ao presente de seu próprio tempo, Drummond apresenta uma visão crítica e pessimista da História do Brasil, pois as atitudes da elite do sistema totalitarista de Getúlio imitam as da elite do século XIX no que diz respeito a frivolidade, alienação e provincianismo.   

Resposta da questão 7:
 a) Tanto o Major Vidigal quanto o soldado amarelo representavam a autoridade num círculo social carente de recursos jurídicos que limitassem o seu poder, por isso impunham a ordem de forma arbitrária, segundo os seus próprios juízes de valor. No entanto, o Major Vidigal fazia-o de forma mais moderada e, algumas vezes, justa, enquanto o soldado amarelo infringia o código de boa conduta e abusava do poder para humilhar as pessoas.
b) “Memórias de um sargento de milícias” é uma obra descompromissada com crítica social ou denúncia da realidade da época. Trata-se de uma crônica de costumes em que os personagens de classe média baixa tentam driblar as dificuldades do cotidiano com atitudes nem sempre muito éticas ou regidas por princípios morais. Já “Vidas secas” pertence ao neorrealismo da literatura brasileira, uma obra que pretende denunciar a realidade miserável do nordestino brasileiro, oprimido pelo meio inóspito em que vive e pelo sistema político a que está submetido. Assim, o Major Vidigal, terror de todos os malandros e baderneiros da época, age movido pela necessidade de impor a ordem, embora nem sempre os seus atos sejam modelo de boa conduta moral. O soldado amarelo, símbolo de repressão e do autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), é oportunista e medroso, pois não é forte quando se sabe sozinho, em lugar que não domina ou longe da proteção da ditadura, como quando, perdido no meio da caatinga, se acovarda diante do gesto ameaçador de Fabiano.  

Resposta da questão 8:
 A prosa modernista da década de 30 reflete as preocupações dos autores em denunciarem o contexto de miséria e exploração em que vive grande parte da população brasileira. José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Gilberto Freyre cumprem as diretivas do Congresso Regional do Recife de 1926 para denunciarem a violência social e a exploração de mão de obra na região do semiárido, consequência das contingências climáticas e do sistema de latifúndio em que imperam o jaguncismo, o coronelismo e o misticismo fanático. Em “O Quinze”, Rachel de Queiroz debruça-se sobre a questão social do homem nordestino, analisa o seu comportamento e transporta para as narrativas os dramas psicológicos de quem, sob pressão de forças atávicas, é impelido a aceitar o seu destino.  

Resposta da questão 9:
 a) Em ambas as obras, o cenário é de desolação, inóspito e incitador à violência, pois o trabalho nas terras calcinadas pelo calor desumaniza as pessoas que ali têm de lutar pela sua sobrevivência, igualando-as aos animais. No entanto, não se percebe nas descrições de “Vidas secas” instantes de encantamento e beleza que o personagem Volta Seca exprime em “Capitães da areia” ao declarar que ali “tudo é lírico, pobre e belo”, nem do devaneio de que a ação do homem poderia “criar beleza” naquela miséria.

b) Em “Capitães de areia”, as crianças abandonadas na orla da praia lutam pela sobrevivência em ambiente urbano, sujeitas à crueldade de um sistema opressor que as marginaliza e impele ao banditismo. Volta Seca remete às suas origens de cangaço e sonha com o retorno a uma ação de luta por justiça e liberdade. Em “Vidas secas”, o sertanejo tem a sua consciência de embotada pela sede, não só de água, mas também de conhecimento e de justiça, numa visão de mundo fragmentada que o obriga a uma constante capitulação perante o poder constituído, incapaz de uma ação violenta.  

Resposta da questão 10:
 A temática dos dois textos é a relação do sujeito poético com a terra natal.
No poema “Confidência do Itabirano”, o sujeito poético apresenta Itabira como um espaço real e experimentado; lá ele viveu e assimilou suas características: sensibilidade, “a vontade de amar”. Há também no poema a ideia de que o sujeito lírico permanece ligado a sua origem: tempo e espaço aparecem como já distantes, por isso, “como dói”, mas, em compensação, ganhou um mundo maior. Trouxe prendas materiais e imateriais.
No fragmento da canção de Gilberto Gil, há o mesmo sentimento de orgulho de sua origem, no entanto sem especificações. Há apenas a ideia de que o seu aprendizado para o mundo foi adquirido na sua terra natal – “A Bahia já me deu régua e compasso”, já formou a sua cultura, o seu jeito de ser, a sua medida de homem.  

Resposta da questão 11:
 a) No poema “Balada feroz”, o eu lírico descreve um mundo de horror com linguagem agressiva (“rio venéreo”, “amores miseráveis”, “podridão das latrinas e das fossas”, “a decomposição dos campos de guerra”) e termos aversivos ( “tumefações”,”fezes verdes”,”pus”).
b) Seria missão do poeta transformar o mundo de destruição e morte em outro em que prevalecessem ideais de solidariedade, justiça, ética e princípios morais a que o fazer poético deve estar sempre vinculado (“faz um poema puro /E deixa-o ir, armado cavaleiro, pela vida", “Suga aos cínicos o cinismo, aos covardes o medo, aos avaros o ouro”).  

Resposta da questão 12:
 a) Graciliano demonstra preocupação com as normas legais e jurídicas a que deveria obedecer como prefeito (“não achei no Município nada que parecesse com lei”) e espanta-se com a precariedade de disposições que constam no código municipal (“Era um delgado volume impresso em 1865, encardido e dilacerado”). Além disso, denuncia o mau uso de verbas públicas relativamente à contratação de empresas (“Se a iluminação da cidade custou muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz”) e a ações desnecessárias (“Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou pedra na rua - um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama”).

b) Não, o texto difere de um relatório administrativo padrão, pois usa linguagem informal, irônica e com discurso em 1ª pessoa. Expressões como “do tempo das candeias de azeite”, “o código era uma espécie de lobisomem”, “Pagamos até a luz que a lua nos dá” ou “o deputado F. esticou a canela” afastam-se da linguagem neutra e referencial dos textos oficiais, agregam valor expressivo ao texto e expõem sarcasticamente os problemas da administração local.  

Resposta da questão 13:
 a) O eu-lírico explora contradições ao associar “escureço” a manhã, “tardo” a dia, “anoiteço” a tarde, assim como “ardo” a noite. Assim, as sensações vividas parecem dissociar-se do cotidiano convencional e revelam uma existência marcada pela emotividade. Espacialmente, confessa-se atraído pelo sul, lugar geralmente associado a calor e sensualidade, enquanto que o oeste lhe provoca rejeição pela sensação de morte que sugere em oposição a “este”, local de nascimento e renovação.

b) Enquanto que “outros” contabilizam a vida pelos atos passados ou projetos de futuro, o eu-lírico prefere a renovação constante (“nasço amanhã”) e a imprevisibilidade dos locais que vai percorrer (“ando onde há espaço”).  

Resposta da questão 14:
 O passado ressurge muitas vezes na poesia de Drummond. Itabira, sua cidade natal é várias vezes referida na sua poesia, ora em tom irônico ora afetuoso, mas nunca com sentimentalismo fantasioso. É com olhos de adulto que o autor relembra as impressões gravadas em sua memória e através das quais justifica características pessoais (“nasci em Itabira./Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro”). O eu-lírico associa o a sua maneira de ser ao ambiente da cidade e ao estilo com que escreve (“Noventa por cento de ferro nas calçadas./ Oitenta por cento de ferro nas almas./E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação”), por isso a sua poesia é antissentimental, seca, não-porosa… Mas a afetuosidade está presente na confissão de que a necessidade íntima de amar e o hábito de sofrer são heranças de vivências itabiranas, constituindo o paradoxo de alguém que se diz orgulhoso e submisso ao mesmo tempo (“este orgulho, esta cabeça baixa...”). Esta identificação não se encontra em “Contos de Aprendiz”, pois em Turmalinas o poeta confessa-se incompreendido (“É verdade que Turmalinas me compreendia pouco, e eu a compreendia menos”), percebendo que as pessoas desculpavam a sua excentricidade porque acreditavam que o seu talento beneficiaria a cidade que crescia à margem do progresso.  

Resposta da questão 15:
 O verso “Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado” apresenta, aparentemente, uma contradição. O poeta pretende evidenciar o conflito da humanidade que se desenvolve tecnologicamente, mas vive a opressão de um mundo mecanicista com o qual ele não se identifica ("Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples").  




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