quarta-feira, 15 de março de 2017

BARROCO- PRÉ-VESTIBULAR- GAP

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
As questões seguintes se baseiam num soneto de Gregório de Matos (1623?-1696) e na crônica O SONETO, de Carlos Heitor Cony (1926-).

AO CONDE DE ERICEYRA D. LUIZ DE MENEZES PEDINDO LOUVORES AO POETA NÃO LHE ACHANDO ELLE PRESTIMO ALGUM.
                Um soneto começo em vosso gabo;
                Contemos esta regra por primeira,
                Já lá vão duas, e esta é a terceira,
                Já este quartetinho está no cabo.

                Na quinta torce agora a porca o rabo:
                A sexta vá também desta maneira,
                Na sétima entro já com grã canseira,
                E saio dos quartetos muito brabo.

                Agora nos tercetos que direi?
                Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
                Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

                Nesta vida um soneto já ditei,
                Se desta agora escapo, nunca mais;
                Louvado seja Deus, que o acabei.
In: MATOS, Gregório de. OBRA POÉTICA. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1990, vol. I, p. 129-30.

O SONETO

                Era magro, feio, merecia o superlativo: era magérrimo e feiíssimo. Usava óculos, fumava de piteira, a voz rachada, andava mal vestido, mas tinha - milagre jamais explicado - um carrinho inglês que sempre estava de bateria arriada e precisava ser empurrado.
                Trabalhava num vespertino, seu texto era barroco, cobria festividades cívicas e religiosas. Era - segundo o meu pai - uma boa alma, embora fosse ruim de corpo. Um dia, me levou para um canto da redação e recitou-me um soneto de sua lavra, os olhos faiscando de lascívia contrariada.
                Esqueci o soneto minutos depois. Guardei por uns tempos o final, aquilo que os parnasianos chamavam de "chave de ouro". Transcrito em papel talvez não impressione.
                Dito por ele, num canto empoeirado da redação, com sua voz rachada, a piteira nas mãos trêmulas, era uma apoteose da dor: "Passei bem junto a ela. E decerto ela nem soube que eu passei tão perto e nem suspeita que eu segui chorando!". O verso quebrado e a exclamação final faziam parte da poética e das redações daquele tempo.
                Chamava-se Cardim. Domingos da Silva Cardim se não me engano. Casara-se com uma viúva tão feia e magra como ele, também boníssima alma. Não tinham filhos.
                Por isso ou aquilo, Cardim apaixonava-se com frequência e, quanto menos correspondido, mais apaixonado ficava. Deve ter feito outros sonetos, circulou pela redação um poema pornográfico e anônimo que desde o redator-chefe até o contínuo que ia buscar café na esquina atribuíram ao estro do Cardim.
                Cardim morreu como um passarinho - naquele tempo era comum esse tipo de morte. O tempo passou, esqueci dele, mas nunca esqueci aquele final de lascívia contrariada. Outro dia, bestamente, depois de um dia inglório e triste, cara mais uma vez quebrada, me surpreendi recitando em causa própria: e ela nem soube que eu passei tão perto e nem suspeita que eu segui chorando!
In: CONY, Carlos Heitor. FOLHA DE S. PAULO. Cad. 1, p. 2 - Opinião, 6/7/97.



1. (Unesp 1999)  Em sua crônica, Carlos Heitor Cony apresenta, com fino humor, um antigo colega e poeta, um tipo bastante curioso, dado a cultivar sonetos. O cronista, num processo de reminiscência, aborda a personalidade do poeta, as características de seu estilo e suas produções poéticas. Observe, numa leitura do texto, esse processo de caracterização da personagem e, em seguida, responda:
a) Ao referir-se ao discurso da personagem, o cronista afirma que "seu texto era barroco". Considerando as características do estilo de época denominado barroco, em que se inscreve a poesia de Gregório de Matos, explique o que Cony quis dizer a respeito do estilo de Domingos da Silva Cardim.
b) Semelhantemente ao que fez Gregório em seu poema, embora de modo mais direto, ao apresentar e descrever Domingos da Silva Cardim, o cronista assume uma atitude de deboche, que por vezes beira ao escárnio. Transcreva duas frases da crônica em que se caracteriza tal atitude.
  
2. (Ufu 1999)       "Pobre terra da Bruzundanga! Velha, na sua maior parte, como o planeta, toda a sua missão tem sido criar a vida, e a fecundidade para os outros, pois nunca os que nela nasceram, os que nela viveram, os que a amaram e sugaram-lhe o leite, tiveram sossego sobre o seu solo!"
                               (Lima Barreto, OS BRUZUNDANGAS)

"Senhora Dona Bahia,
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos Naturais,
E dos Estrangeiros madre.
Dizei-me por vida vossa,
em que fundais o ditame
de exaltar, os que aí vêm,
e abater, os que ali nascem?"
  (Gregório de Matos, POESIAS SELECIONADAS)

Lima Barreto e Gregório de Matos estão distantes, cronologicamente, na Literatura Brasileira. Mas os autores podem ser aproximados pelo teor satírico que imprimiram às suas obras. Tome os fragmentos citados para responder às questões seguintes:

a) Fale sobre o tema que aproxima os dois textos.

b) Destaque do texto de Gregório de Matos um par de versos que tenha "uma figura de oposição" muito comum ao Barroco, classificando-a.

c) Aponte na prosa de Lima Barreto "uma figura de efeito sonoro" que seja comum ao gênero lírico, classificando-a.
  
3. (Ufv 1999)  Leia atentamente o texto:

                Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,
                Te lembra hoje Deus por sua Igreja;
                De pó te faz espelho, em que se veja
                A vil matéria, de que quis formar-te.

                Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te,
                E como o teu baixel sempre fraqueja
                Nos mares da vaidade, onde peleja,
                Te põe à vista a terra, onde salvar-te.

                Alerta, alerta, pois, que o vento berra.
                Se assopra a vaidade e incha o pano,
                Na proa a terra tens, amaina e ferra.

                Todo o lenho mortal, baixel humano,
                Se busca a salvação, tome hoje terra,
                Que a terra de hoje é porto soberano.

                (MATOS, Gregório de. "Poemas escolhidos." São Paulo: Cultrix, 1997. p. 309)

Gregório de Matos expressou em sua obra toda a tensão do século XVII, ao abordar os temas predominantes do Barroco.
Identifique no poema elementos que atestam o comprometimento do poeta com o respectivo momento literário.

TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
                Ora, suposto que já somos pó, e não pode deixar de ser, pois Deus o disse, perguntar-me-eis, e com muita razão, em que nos distinguimos logo os vivos dos mortos? Os mortos são pó, nós também somos pó: em que nos distinguimos uns dos outros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos, assim como se distingue o pó do pó. Os vivos são pó levantado, os mortos são pó caído, os vivos são pó que anda, os mortos são pó que jaz: Hic jacet1. Estão essas praças no verão cobertas de pó: dá um pé-de-vento, levanta-se o pó no ar e que faz? O que fazem os vivos, e muito vivos. NÃO AQUIETA O PÓ, NEM PODE ESTAR QUEDO: ANDA, CORRE, VOA; ENTRA POR ESTA RUA, SAI POR AQUELA; JÁ VAI ADIANTE, JÁ TORNA ATRÁS; TUDO ENCHE, TUDO COBRE, TUDO ENVOLVE, TUDO PERTURBA, TUDO TOMA, TUDO CEGA, TUDO PENETRA, EM TUDO E POR TUDO SE METE, SEM AQUIETAR NEM SOSSEGAR UM MOMENTO, ENQUANTO O VENTO DURA. Acalmou o vento: cai o pó, e onde o vento parou, ali fica; ou dentro de casa, ou na rua, ou em cima de um telhado, ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na campanha. Não é assim? Assim é.
(VIEIRA, Antônio. Trecho do Cap. V do Sermão da Quarta-Feira de Cinza. Apud: Sermões de Padre Antônio Vieira. São Paulo: Núcleo, 1994, p.123-4.)

1 - Hic jacet: aqui jaz.


4. (Ufscar 2001)  Em Padre Vieira fundem-se a formação jesuítica e a estética barroca, que se materializam em sermões considerados a expressão máxima do Barroco em prosa religiosa em língua portuguesa, e uma das mais importantes expressões ideológicas e literárias da Contra-Reforma.

a) Comente os recursos de linguagem que conferem ao texto características do Barroco.

b) Antes de iniciar sua pregação, Vieira fundamenta-se num argumento que, do ponto de vista religioso, mostra-se incontestável. Transcreva esse argumento.
  
5. (Ufscar 2001)  Segundo o "Novo Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa", "sermão" é um "discurso religioso geralmente pregado no púlpito".

a) De que forma o autor reproduz, no texto escrito, características próprias do discurso falado?

b) O texto apresenta uma relação de oposição entre estaticidade e movimento. Indique, no trecho destacado em maiúsculo, qual dessas ideias é abordada e a forma de construção de período utilizada para exprimi-la.

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
MULHER AO ESPELHO

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

(MEIRELES, Cecília. Poesias Completa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.)



6. (Uerj 2002)  A temática e alguns procedimentos característicos do Barroco no século XVII foram retomados no poema de Cecília Meireles.

a) O questionamento das concepções do senso comum quanto à vaidade sugere uma preocupação também existente entre os autores barrocos.
Identifique, no poema, um aspecto da vaidade apresentado negativamente e outro apresentado positivamente.

b) O jogo de oposições entre conceitos era um dos recursos característicos da literatura barroca.
Indique um contraste próprio do Barroco que predomina no texto.
  
7. (Ufscar 2003)  O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa, em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a palavra de Deus, porque ou a desatendem, ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons, ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um ...
                (Padre Vieira, "Sermão da Sexagésima")

Pode-se dizer que os sermões de Vieira revestem-se de um jogo intelectual no qual se vê o prazer estético do autor para pregar a palavra de Deus, por meio de uma linguagem altamente elaborada.
a) Um dos recursos bastante utilizado por Vieira é o de disseminação e recolha, por meio do qual o autor "lança" os elementos e depois os retoma, um a um, explicando-os. Transcreva o período em que Vieira faz esse lançamento dos elementos e indique os termos aos quais eles vão sendo comparados.
b) Explique que comparação conduz o fio argumentativo do Padre Vieira neste trecho.
  
8. (Uel 1994)  O século XVI deve ser reconhecido, na história da literatura brasileira, como um período de:
a) manifestações literárias voltadas basicamente para a informação sobre a colônia e para a catequese dos nativos.   
b) amadurecimento dos sentimentos nacionalistas que logo viriam a se expressar no Romantismo.   
c) exaltação da cultura indígena, tema central dos poemas épicos de Basílio da Gama e Santa Rita Durão.   
d) esgotamento do estilo e dos temas barrocos, superados pelos ideais estéticos do Arcadismo.   
e) valorização dos textos cômicos e satíricos, em que foi mestre Gregório de Matos.   
  
9. (Fuvest 1995)  Os sonetos de Bocage que transpõem poeticamente a experiência do autor na região colonial de Goa apresentam alguns traços semelhantes aos dos poemas em que, anteriormente, Gregório de Matos enfocara a sociedade colonial da Bahia. Sob esse aspecto, são traços comuns a ambos os poetas:
a) presunção de superioridade, crítica da vaidade, preconceito de cor.   
b) sensualismo, crítica da presunção, elogio da mestiçagem.   
c) presunção de superioridade, elogio da nobreza local, sátira da mestiçagem.   
d) sensualismo, crítica da nobreza antiga, preconceito de cor.   
e) estilo tropical, crítica da vaidade, elogio da mestiçagem.   
  
10. (Uel 1995)  Assinale a alternativa cujos termos preenchem corretamente as lacunas do texto inicial.

Como bom barroco e oportunista que era, este poeta de um lado lisonjeia a vaidade dos fidalgos e poderosos, de outro investe contra os governadores, os "falsos fidalgos". O fato é que seus poemas satíricos constituem um vasto painel ...................., que ................. compôs com rancor e engenho ainda hoje admirados pela expressividade.
a) do Brasil do século XIX - Gregório de Matos   
b) da sociedade mineira do século XVIII - Cláudio Manuel da Costa   
c) da Bahia do século XVII - Gregório de Matos   
d) do ciclo da cana-de-açúcar - Antônio Vieira   
e) da exploração do ouro em Minas - Cláudio Manuel da Costa.   
 
Gabarito: 

Resposta da questão 1:
 a) O cronista, ao mencionar barroco, resgata a ideia do rebuscamento da forma em detrimento do conteúdo. Usando da ironia, mostra que a poesia de Cardim, prestava-se às funções "menores" da poesia.

b) O escárnio encontra-se em "...embora fosse ruim de corpo"; "Casara-se com uma viúva tão feia e magra como ele". Há outras frases.  

Resposta da questão 2:
 a) Ambos fazem crítica à realidade do país: a exaltação do estrangeirismo em detrimento do nacionalismo.

b) Em "exaltar" e "abater", tem-se a antítese.

c) Pobre teRRa de BRuzundanga - (variante brasileira) de "burundanga" - É a aliteração.  

Resposta da questão 3:
 O poeta tem consciência de que o mundo terreno é efêmero e vão; o sentimento de nulidade diante do poder divino.  

Resposta da questão 4:
 a) O Barroco é o movimento marcado pela oposição de ideias; assim, no poema encontram-se antíteses ("pó levantado"/ "pó caído"; paradoxos ("Distinguimo-nos os vícios dos mortos, assim como s distingue o pó do pó"); anáforas (pronome indefinido "tudo") polissíndetos (ou) e outros.

b) O argumento é: "Ora, pressuposto que já somos pó, e não pode deixar de ser, pois Deus o disse"...  

Resposta da questão 5:
 a) O sermão aponta características do discurso falado, pois faz
- o uso da primeira pessoa do plural (nós)
- o uso do termo "ora"
- o uso de pronomes demonstrativos: "entra por esta rua, sai por aquela..."
- uso de interrogações, criando uma interlocução.

b) Há uma apresentação dinâmica dos fatos pelo emprego dos verbos de ações (movimento). Orações coordenadas criam a ideia de rapidez.  

Resposta da questão 6:
 a) A moda que destrói o corpo e a alma de quem a segue.
A consciência da destruição pela vaidade elevará o indivíduo até Deus.

b) Um dentre os contrastes:
- vida e morte
- juventude e velhice
- essência e aparência  

Resposta da questão 7:
 a) "O espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa (em que o trigo caiu) representam os diferentes  corações dos homens." Nesse período, são "lançados" ou "disseminados" os elementos. Na "recolha", eles são retomados um a um para que sejam comparados aos diversos "corações" ou tipos de homens que, conforme sua natureza, receberam de forma diferente a palavra de Deus, representada pela metáfora do trigo: os espinhos são os homens que se preocupam com seus próprios interesses materiais e são egoístas; as pedras representam os homens  insensíveis, duros de coração; os caminhos são os homens insatisfeitos e intranquilos com o fluxo do tempo e das coisas da vida; a terra boa são os homens que aceitam de bom coração a palavra de Deus.
b) Na alegoria do Padre Antônio Vieira, a comparação, ou melhor, a metáfora básica, que sustenta todo o desenvolvimento do trecho e as demais comparações, é aquela extraída do texto bíblico e usada como epígrafe do sermão: "Semen est verbum Dei" - "a palavra de Deus é semente".  

Resposta da questão 8:
 [A]  

Resposta da questão 9:
 [A]  

Resposta da questão 10:
 [C]  


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