domingo, 25 de junho de 2017

SIMULADO ESCOLA NAVAL- LP

A CASA DAS ILUSÕES PERDIDAS

            Quando ela anunciou que estava grávida, a primeira reação dele foi de desagrado, logo seguida de franca irritação. Que coisa, disse, você não podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você não tem cabeça mesmo, não sei o que vi em você, já deveria ter trocado de mulher havia muito tempo. Ela, naturalmente, chorou, chorou muito. Disse que ele tinha razão, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre sonhara com isso, com a maternidade - e agora que o sonho estava prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.
            - Por favor, suplicou. - Eu faço tudo que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas, por favor, me deixe ser mãe.
            Ele disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. E sumiu.
            Voltou, não ao cabo de três dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com uma barriga avantajada que tornava impossível o aborto; ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo - estava certa de que ele vinha com a mensagem que tanto esperava, você pode ter o nenê, eu ajudo você a criá-lo.
            Estava errada. Ele vinha, sim, dizer-lhe que podia dar à luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negócio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que não tinham e que agora seria o lar deles, o lar onde - agora ele prometia - ficariam para sempre.
            Ela ficou desesperada. De novo caiu em prantos, de novo implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre, cedeu.
            Entregue a criança, foram visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:
            - Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.
            Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.
            (Moacyr Scliar, Folha de S.Paulo, 14.06.1999.)
1-No texto, a idéia de ilusões perdidas diz respeito à
a) realização da maternidade que, na verdade, não atinge a sua plenitude.
b) desolação da jovem mãe ao ver que a casa recebida não era luxuosa como concebera.
c) alegria da mãe com a casa e à superação da tristeza pela doação da criança.
d) melancolia da mãe por programar todas as crianças que teria para trocar por casas.
e) certeza do homem de que a mulher não formará com ele um lar na casa nova.
2-O casal age de modo contrário aos sentimentos comuns de justiça e dignidade. No contexto da narrativa, tais comportamentos explicam-se
a) pela falta de amor que há entre a mulher e o companheiro, fazendo com que tudo que os rodeia se torne um negócio vantajoso.
b) pelo amor exagerado que a mulher sente e pela confusão de sentimentos que o companheiro vive na descoberta desse amor.
c) pelo ódio exagerado que a mulher sente do companheiro e pela forma displicente e pouco amável como ele a vê.
d) pela submissão exagerada da mulher ao companheiro e pela forma mesquinha e interesseira como ele resolve as coisas.
e) pela forma irresponsável com que a mulher age em relação ao companheiro, o que o faz tomar atitudes impensadas.
3-"Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo."
As duas frases finais do texto deixam evidente que ter mais filhos
a) é uma possibilidade pouco atraente para o casal que, por hora, já conquistou algo à custa de sofrimento.
b) será para o casal uma forma de alcançar a felicidade, já que a mulher e seu companheiro poderão ter a casa cheia de crianças.
c) pode tornar-se lucrativo na ótica do companheiro, embora a mulher ainda veja isso com olhos sonhadores.
d) se torna uma forma de compensar o episódio pouco feliz da doação do primeiro filho do casal.
e) não alteraria em nada a vida do casal, já que não haveria como fazer os dois esquecerem a criança doada.
TEXTO 2
APRENDA A FALAR DIFÍCIL

            Em minha empresa, parece que o povo, do gerente para cima, fala outro idioma. Por que as pessoas ficam inventando expressões estranhas ou usando palavras estrangeiras, quando é muito mais fácil falar português?
Lélio, São Caetano, SP
            Para impressionar, Lélio. As pessoas que complicam o vocabulário fazem isso com dois propósitos bem claros. O primeiro é financeiro. "Falar abobrinha" pode ser sinônimo de "Verbalizar cucurbitáceas", mas a segunda turma, via de regra, ganha mais. Você mesmo confirmou isso, ao dizer:
            "de gerente para cima". O segundo motivo é se proteger. Através dos tempos, cada profissão foi desenvolvendo sua maneira particular de se expressar. Economista fala diferente de advogado, que fala diferente de engenheiro, que fala diferente de psicólogo, e todos eles falam diferente de nós. Quanto mais complicado uma pessoa fala, mais fácil ela poderá depois explicar: "Não foi bem isso que eu disse". Na prática, a coisa funciona assim. Se você tiver uma pergunta - qualquer pergunta - e consultar alguém de Marketing, ouvirá como resposta que é preciso "fazer um brainstorming e extrapolar os dados". Alguém de Recursos Humanos dirá que, "enquanto seres funcionais, temos de vivenciar parâmetros holísticos". Um engenheiro opinaria que a coisa se deve a fatores inerciais de natureza não-técnica". E uma pessoa de Sistemas diria que a empresa está "num processo de reformulação de conteúdo". E assim por diante.
            Essa foi uma grande lição que aprendi na vida corporativa. Quando tinha alguma dúvida, perguntava a um Diretor. E aprendia uma palavra nova. Aí, ia me informar com o Seu Anísio da Portaria. Porque ele era o único capaz de me explicar direitinho a situação. "É, vem chumbo grosso por aí".
            Portanto, Lélio, e para bem de sua carreira, sugiro que você comece a aprender esses "idiomas estranhos". Falando de maneira simples, e sendo entendido por todos, você chegará, no máximo, a Supervisor. Adotando uma verbalização direcional intrínseca, poderá chegar a Diretor.
            (GEHRINGER, Max. "Sua carreira. Época", São Paulo: Editora Globo, n. 411, 3
abr. 2006, p. 67).
4-Na pergunta do leitor, há uma concepção de língua portuguesa que
a) rejeita as variações de caráter técnico-profissional, por considerá-las desnecessárias.
b) defende o uso da língua padrão nas atividades profissionais, por sugerir mais status.
c) expressa um preconceito com o falar coloquial, por relacioná-lo às classes populares.
d) incorpora o uso de palavras estrangeiras como necessário à comunicação.
e) considera as mudanças de estilo uma conseqüência inevitável das diferentes personalidades.
5-O conselho para que Lélio "adote uma verbalização direcional intrínseca" pode ser parafraseado por:
a) assuma uma linguagem objetiva.
b) prefira uma retórica rebuscada.
c) use um jargão adequado.
d) escolha uma comunicação atraente.
e) utilize uma fala despojada.
6-Na elaboração da resposta, o consultor Max Gehringer sugere que
a) o profissional deve manter em situações discursivas informais a mesma linguagem própria da área na qual atua.
b) diferentes enunciados têm um mesmo significado e sua expressão independe das características da profissão.
c) uma mesma informação pode ser veiculada por enunciados diferentes, dependendo do papel social exercido pelo locutor.
d) os funcionários de uma empresa devem ser prolixos em todas as situações que envolvam comunicação com clientes.
e) um mesmo enunciado pode desencadear diferentes reações no interlocutor quando proferido em espaço de trabalho.
7-Resumindo-se os motivos apresentados no texto para explicar a complicação do vocabulário, "falar difícil" funciona como
a) marca de poder aquisitivo e mecanismo de autopreservação profissional.
b) maneira de separar funcionários e patrões e tática de garantia da produtividade.
c) meio para aumentar lucros e artimanha para impedir as idéias dos concorrentes.
d) garantia de competência técnica e recurso para valorizar os ouvintes.
e) indicador da competição entre funcionários e instrumento de aproximação dos clientes.
TEXTO 3
No início do século XVI, Maquiavel escreveu O PRÍNCIPE - uma célebre análise do poder político, apresentada sob a forma de lições, dirigidas ao príncipe Lorenzo de Médicis. Assim justificou Maquiavel o caráter professoral do texto:
            Não quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois assim como os [cartógrafos] que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também, para conhecer bem a natureza dos povos, é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo.
            (Tradução de Lívio Xavier, adaptada.)
8-Ao justificar a autoridade com que pretende ensinar um príncipe a governar, Maquiavel compara sua missão à de um cartógrafo para demonstrar que
a) o poder político deve ser analisado tanto do ponto de vista de quem o exerce quanto do de quem a ele está submetido.
b) é necessário e vantajoso que tanto o príncipe como o súdito exerçam alternadamente a autoridade do governante.
c) um pensador, ao contrário do que ocorre com um cartógrafo, não precisa mudar de perspectiva para situar posições complementares.
d) as formas do poder político variam, conforme sejam exercidas por representantes do povo ou por membros da aristocracia.
e) tanto o governante como o governado, para bem compreenderem o exercício do poder, devem restringir-se a seus respectivos papéis.
9-Está redigido com clareza, coerência e correção o seguinte comentário sobre o texto:
a) Temendo ser qualificado de presunçoso, Maquiavel achou por bem defrontar sua autoridade intelectual, tipo um cartógrafo habilitado a desenhar os contrastes de uma região.
b) Maquiavel, embora identificando-se como um homem de baixo estado, não deixou de justificar sua autoridade diante do príncipe, em cujos ensinamentos lhe poderiam ser de grande valia.
c) Manifestando uma compreensão dialética das relações de poder, Maquiavel não hesita em ministrar ao príncipe, já ao justificar o livro, uma objetiva lição de política.
d) Maquiavel parece advertir aos poderosos de que não se menospreze as lições de quem sabe tanto analisar quanto ensinar o comportamento de quem mantenha relações de poder.
e) Maquiavel, apesar de jamais ter sido um governante em seu livro tão perspicaz, soube se investir nesta função, e assim justificar-se diante de um príncipe autêntico.
TEXTO
O mito é uma explicação das origens do homem, do mundo, da linguagem; explica o sentido da vida, a morte, a dor, a condição humana. Vive porque responde à angústia do desconhecido, do inexplicável; dá sentido àquilo que não tem sentido. Enquanto a ciência não puder explicar a origem das coisas e o seu sentido, haverá lugar para o pensamento mítico. Será que esse ideal se tornará realidade um dia? Dificilmente. Como se dará conta dos novos anseios, dos novos desejos do ser humano? Precisamos das utopias, que, sendo uma espécie de mito pré-construído, têm a função de organizar e de orientar o futuro.
(FIORIN, José Luiz, As Astúcias da Enunciação, São Paulo, Ática, 1999)

10. Levando em conta o que o texto diz sobre o mito, é correto afirmar que:
a) ele é a única explicação possível para as origens do Universo.
b) ao explicar a condição humana, ele substitui o pensamento científico.
c) assim como as utopias, ele tem a função de prever totalmente o futuro.
d) a angústia do desconhecido contribui para a sobrevivência do mito.
e) ele dá sentido único ao surgimento do universo.

GABARITO
1.    A
2.    D
3.    C
4.    A
5.    C
6.    C
7.    A
8.    A
9.    C

10.  D

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