Aprendi a aprender com
filmes
(DUARTE, Rosália. Cinema
& educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.)
TEXTO I
Como se comportar no
cinema (A arte de namorar)
(Vinicius de Moraes)
Poucas
atividades humanas são mais agradáveis que o ato de namorar, e é sobre a arte de
praticá-lo dentro dos cinemas que queremos fazer esta crônica. Porque constitui
uma arte fazê-lo bem no interior de recintos cobertos, mormente quando se
dispõe da vantagem de ambiente escuro propício. A tendência geral do homem é
abusar das facilidades que lhe são dadas, e nada mais errado; pois a verdade é
que namorando em público, além dos limites, perturba ele aos seus
circunstantes, podendo atrair sobre si a curiosidade, a inveja e mesmo a ira daqueles
que vão ao cinema sozinhos e pagam pelo direito de assistir ao filme em paz de
espírito.
Ora,
o namoro é sabidamente uma atividade que se executa melhor a coberto da
curiosidade alheia. Se todos os freqüentadores dos cinemas fossem casais de
namorados, o problema não existiria, nem esta crônica, pois a discrição de
todos
com
relação a todos estaria na proporção direta da entrega de cada um ao seu namoro
específico. [...]
De modo que, uma das coisas que os namorados não
deveriam fazer é se enlaçar por sobre o ombro e juntar as cabeças. Isso atrapalha
demais o campo visual dos que estão à retaguarda. [...]
Cochichar, então, é uma
grande falta de educação entre namorados no cinema. Nada perturba mais que o
cochicho constante e, embora eu saiba que isso é pedir muito dos namorados, é
necessário que se contenham nesse ponto, porque afinal de contas aquilo não é
casa deles. Um homem pode fazer milhões de coisas – massagem no braço da namorada,
cosquinha no seu joelho, festinha no rostinho delazinha; enfim, a grande
maioria do trabalho de “mudanças” em automóveis não hidramáticos – sem se fazer
notar e, conseqüentemente, perturbar aos outros a fruição do filme na tela.
Porque uma coisa é certa: entre o namoro na tela – e pode ser até Clark Gable
versus Ava Gardner – e o namoro no cinema, este é que é o real e positivo, o
perturbador, o autêntico.
1 - O texto de Vinicius de
Moraes, sobre a “arte de namorar” no cinema, levanta uma hipótese que anularia
a existência da crônica. Transcreva
exclusivamente a oração subordinada adverbial que traduz a referida hipótese.
2 - O sufixo (z)inho,
empregado repetidamente na passagem “festinha no rostinho delazinha”, é de
enorme vitalidade
na
língua. Comprove essa vitalidade, no plano morfológico, a partir do uso do
diminutivo nos vocábulos da referida passagem.
3 - “Porque constitui
uma arte fazê-lo bem no interior de recintos cobertos, mormente quando
se dispõe da vantagem de ambiente escuro propício.”
Substitua
o vocábulo em destaque – pouco usual na língua falada – por outro que preserve
o sentido do termo e a estrutura da frase.
TEXTO II
Desde sempre
(Vinicius de Moraes)
Na minha frente, no cinema escuro e silencioso
Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas
Narrando a beleza suave de um drama de amor.
Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso
Ouço vozes surdas, viciadas
Vivendo a miséria de uma comédia de carne.
Cada beijo longo e casto do drama
Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual da comédia
Minha alma recolhe a carícia de um
E a minha carne a brutalidade do outro.
Eu me angustio.
Desespera-me não me perder da comédia ridícula e falsa
Para me integrar definitivamente no drama.
Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às palavras implorantes
Que ambos se trocam na agitação do sexo
Tento fugir para a imagem pura e melodiosa
Mas ouço terrivelmente tudo
Sem poder tapar os ouvidos.
Num impulso fujo, vou para longe do casal impudico
Para somente poder ver a imagem.
Mas é tarde. Olho o drama sem mais penetrar-lhe a beleza
Minha imaginação cria o fim da comédia que é sempre o mesmo fim
E me penetra a alma uma tristeza infinita
Como se para mim tudo tivesse morrido.
4 - Autores e obras de um
determinado período podem apresentar – nos níveis da forma ou do conteúdo – padrões
estéticos e ideológicos caracterizadores de um outro momento histórico.
Partindo de tal afirmação, pode-se dizer que o texto II, embora escrito por um
poeta do século XX, apresenta um conflito tipicamente barroco.
Descreva
esse conflito com base em elementos extraídos do texto.
TEXTO
III
Flagra
(Rita Lee & Roberto de Carvalho)
No escurinho do cinema
Chupando drops de aniz
Longe de qualquer
problema
Perto de um final feliz
Se a Deborah Kerr que o
Gregory Peck
Não vou bancar o
santinho
Minha garota é Mae West
Eu sou o Sheik
Valentino
Mas de repente o filme
pifou
E a turma toda logo
vaiou
Acenderam as luzes,
cruzes!
Que flagra!
Que flagra!
Que flagra!
5 - No texto III, a
pronúncia dos nomes de atores célebres do cinema americano no 5º verso leva a
um criativo efeito cômico.
a)
Explique esse efeito, valendo-se de elementos fônicos e morfossintáticos.
b)
Identifique, no plano vocabular, a relação semântica entre o 5º e o 6º versos.
TEXTO IV
Happy end
(Cacaso)
O meu amor e eu
nascemos um para o
outro
agora só falta quem nos
apresente
6
- O
texto “Happy end” – cujo título (“final feliz”) faz uso de um lugar-comum dos
filmes de amor – constrói-se na relação entre desejo e realidade, e pode ser
considerado uma paródia de certo imaginário romântico.
Justifique
a afirmativa, levando em conta elementos textuais.
TEXTO V
Adeus, meus sonhos!
(Álvares
de Azevedo)
Adeus, meus sonhos, eu
pranteio e morro!
Não levo da existência
uma saudade!
E tanta vida que meu
peito enchia
Morreu na minha triste
mocidade!
Misérrimo! votei meus
pobres dias
À sina doida de um amor
sem fruto,
E minh’alma na treva
agora dorme
Como um olhar que a
morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
morra comigo
A estrela de meus
cândidos amores,
Já que não levo no meu
peito morto
Um punhado sequer de
murchas flores!
7 - O poema de Álvares de
Azevedo (texto V), assim como o de Cacaso (texto IV), trabalha com o par
desejo/realidade. Com base nessa afirmação, demonstre, a partir de elementos
textuais, que “Adeus, meus sonhos!” constitui forte ilustração da poética da segunda
geração romântica, à qual pertence o autor.
TEXTO VI
O ex-cineclubista
(João Gilberto Noll)
Aquele
homem meio estrábico, ostentando um mau humor maior do que realmente poderia
dedicar a quem lhe cruzasse o caminho e que agora entrava no cinema, numa
segunda-feira à tarde, para assistir a um filme nem tão esperado, a não ser
entre pingados amantes de cinematografias de cantões os mais exóticos, aquele
homem, sim, sentou-se na sala de espera e chorou, simplesmente isso: chorou.
Vieram lhe trazer um copo d´água logo afastado, alguém sentou-se ao lado e lhe
perguntou se não passava bem, mas ele nada disse, rosnou, passou as narinas
pela manga, levantou-se num ímpeto e assistiu ao melhor filme em muitos meses,
só isso. Ao sair do cinema, chovia. Ficou sob a marquise, à espera da estiagem.
Tão absorto no filme que se esqueceu de si. E não soube mais voltar.
8 - O vocábulo ex-cineclubista
resulta da aplicação de quatro processos de formação de palavras. Identifique-os,
valendo-se de elementos constitutivos desse vocábulo.
9 - O texto VI procura
reproduzir na escrita uma característica da linguagem cinematográfica: “o
filme, sob ponto de vista formal, pode ser considerado como uma seqüência de
espaços e tempos concretamente apresentados pela imagem.” (Enciclopédia
Mirador-Internacional, s.v. cinema – 13.1.1).
Justifique
a afirmativa, tomando por base a organização do plano sintático do texto.
TEXTO
VII CINEMA
(Carlos Drummond de Andrade)
De
tanto freqüentarem cinema, as pessoas acabam acreditando mais na tela do que na
vida que levam.
10
- Relacione o desfecho do Texto VI, expresso na frase “E não soube mais
voltar”, ao aforismo de Carlos Drummond de Andrade (Texto VII).
Referências bibliográficas:
Textos I e II - MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
Texto IV - CACASO. Lero-lero
(1967 - 1985). Rio de Janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosac
& Naify, 2002.
Texto V - AZEVEDO, Álvares de. Poesias
Completas. Campinas: UNICAMP; São Paulo: Imprensa Oficial,
2002.
Texto VI - NOLL, João Gilberto. Mínimos
múltiplos comuns. São Paulo: Francis, 2003.
Texto VII - ANDRADE, Carlos Drummond de. “O Avesso das coisas - Aforismos”. In: Prosa Seleta - Carlos Drummond de Andrade. Rio de
GABARITO
QUESTÃO 1
A oração que traduz a referida hipótese é a
seguinte:
Se todos
os freqüentadores dos cinemas fossem casais de namorados.
QUESTÃO 2
A vitalidade do sufixo (z)inho no plano
morfológico fica comprovada por sua aplicação não só a bases nominais
(substantivos e adjetivos), como em festa e em rosto, mas também a outras bases
menos usuais, como, por exemplo, a pronomes, como em (d)ela.
QUESTÃO 3
O vocábulo mormente
pode ser substituído por principalmente,
sobretudo, maiormente.
QUESTÃO 4
No espaço físico da sala de cinema, o eu-lírico
mostra-se dividido entre a beleza suave
de um drama de amor, que repercute em
sua alma, e a miséria de uma comédia de
carne, que apela para seus desejos carnais: minha alma recolhe a carícia de um / e a minha carne a brutalidade do
outro. Desse modo, o poema apresenta um conflito tipicamente barroco:
carne/corpo versus espírito/alma,
construído em diversas passagens do texto.
QUESTÃO 5
a) O efeito cômico é dado pela possibilidade de
Kerr e Peck poderem ser associados, pela semelhança sonora, a quer e peque, o que resulta na alteração de classe gramatical – de
substantivo (próprio) a verbo – e, conseqüentemente, de função sintática.
b) Os vocábulos peque e santinho passam a
integrar o mesmo campo semântico, ao estabelecer uma relação de contraste entre
pecado e santidade.
QUESTÃO 6
O título do poema de Cacaso e seus dois
primeiros versos remetem a um amor predestinado, idealizado. O desejo de
realização desse amor, entretanto, é desmontado pelo terceiro verso, que traz a
contingência da realidade. Essa ironia destrutiva é característica do discurso
paródico.
QUESTÃO 7
No poema de Álvares de Azevedo, o sonho de uma
concretização amorosa desfaz-se diante de uma realidade que frustra o desejo do
eu-lírico: adeus meus sonhos, eu pranteio
e morro!. Esse quadro se configura numa atmosfera típica da segunda geração
romântica: mórbida e melancólica.
QUESTÃO 8
O vocábulo ex-cineclubista
resulta da aplicação de quatro processos de formação de palavras:
redução/abreviação vocabular (cine ← cinema),
composição (cine + clube), derivação sufixal (cineclube + ista) e derivação prefixal (ex + cineclubista).
QUESTÃO 9
A seqüência de espaços e tempos – antes e
depois de assistir ao filme, dentro (1o e 2° períodos) e fora do cinema (do 3°
ao 5° período) – manifesta-se na predominância de estruturas coordenadas,
justapostas, sempre no passado, numa seqüência rápida de ações (rosnou, passou as narinas pelas mangas,
levantou-se, assistiu ao filme), e com rupturas (aquele homem meio estrábico [...], aquele homem, sim, [...]). Esses elementos sintáticos são alguns
dos recursos que procuram reproduzir, na escrita, a linguagem cinematográfica.
QUESTÃO
10
O desfecho do texto VI confirma o aforismo de
Drummond (texto VII). A afirmativa de que o personagem, tendo já saído do
cinema, não soube mais voltar indica
que ele está tão absorto na realidade
ficcional que não consegue retornar a sua própria realidade.
Chato
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Péssimo
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