domingo, 26 de fevereiro de 2017

Uma avaliação

TEXTO 1

QUE SE CHAMA SOLIDÃO

Chão da infância. Algumas lembranças me parecem fixadas nesse chão movediço, as minhas pajens. Minha mãe fazendo seus cálculos na ponta do lápis ou mexendo o tacho de goiabada ou ao piano; tocando suas valsas. E tia Laura, a viúva eterna que foi morar na nossa casa e que repetia que meu pai era um homem instável. Eu não sabia o que queria dizer instável mas sabia que ele gostava de fumar charutos e gostava de jogar. A tia um dia explicou," esse tipo de homem não consegue parar muito tempo no mesmo lugar e por isso estava sempre sendo removido de uma cidade para outra como promotor. Ou delegado. Então minha mãe fazia os tais cálculos de futuro, dava aquele suspiro e ia tocar piano. E depois, arrumar as malas.
- Escutei que a gente vai se mudar outra vez, vai mesmo? perguntou minha pajem Maricota. Estávamos no quintal chupando os gomos de cana que ela ia descascando. Não respondi e ela fez outra pergunta: Sua tia vive falando que agora é tarde porque a Inês é morta, quem é essa tal de Inês?
Sacudi a cabeça, não sabia. Você é burra, Maricota resmungou cuspinhando o bagaço. (...)
- Corta mais cana, pedi e ela levantou-se enfurecida: Pensa que sou sua escrava, pensa? A escravidão já acabou!, ficou resmungando enquanto começou a procurar em redor, estava sempre procurando alguma coisa e eu saía atrás procurando também, a diferença é que ela sabia o que estava procurando, uma manga madura? Jabuticaba? Eu já tinha perguntado ao meu pai o que era isso, escravidão. Mas ele soprou a fumaça para o céu (dessa vez fumava um cigarro de palha) e começou a recitar uma poesia que falava num navio cheio de negros presos em correntes e que ficavam chamando por Deus. Deus, eu repeti quando ele parou de recitar. Fiz que sim com a cabeça e fui saindo, Agora já sei.
(Lygia Fagundes Telles, Invenção e Memória.)

Os textos e as  questões iniciais foram retirados da prova da Unifesp / 2008.

1- De acordo com o texto, entende-se que o chão da infância da narradora é marcado
a)   pela incômoda viuvez da tia.
b)   pela ausência do pai.
c)   pelo convívio com família e pajens,
d)   pelo medo da escravidão.
e)   pela indiferença das pajens.

2- Entende-se que a relação da narradora com a pajem baseia-se
a)   na tolerância entre elas, embora a narradora quase não consiga conter sua raiva com os descasos da pajem.
b)   na tensão entre elas, embora a pajem deva respeito à narradora, pois tem uma relação profissional com a família.
c)   na indiferença entre elas, pois tanto a narradora deixa de responder como a pajem deixa de atender-lhe o pedido.
d)   na rivalidade entre elas, fato que se comprova pela agressividade da pajem que sonhava estar no lugar da narradora.
e)   na proximidade entre elas, pois a pajem, por exemplo, externa seus sentimentos de desagrado, quando se vê incomodada por algo.

3- Na resposta enfurecida da pajem à narradora, repete-se a forma verbal pensa. Essa resposta permite entender que ela
a)   não pretende mais cortar cana naquele momento.
b)   se vê na obrigação de atender o pedido.
c)   está, na verdade, fazendo uma brincadeira.
d)   não compreendeu ao certo o que lhe foi pedido.
e)   se dispõe a atender o pedido com prontidão.

TEXTO 2

No ensino, como em outras coisas, a liberdade deve ser questão de grau. Há liberdades que não podem ser toleradas. Uma vez conheci uma senhora que afirmava não se dever proibir coisa alguma a uma criança, pois ela deve desenvolver sua natureza de dentro para fora. "E se a sua natureza a levar a engolir alfinetes?" indaguei; lamento dizer que a resposta foi puro vitupério. No entanto, toda criança abandonada a si mesma, mais cedo ou mais tarde engolirá alfinetes, tomará veneno, cairá de uma janela alta ou doutra forma chegará a mau fim. Um pouquinho mais velhos, os meninos, podendo, não se lavam, comem demais, fumam até enjoar, apanham resfriados por molhar os pés, e assim por diante - além do fato de se divertirem importunando anciãos, que nem sempre possuem a capacidade de resposta de Eliseu. Quem advoga a liberdade da educação não quer dizer que as crianças devam fazer, o dia todo, o que lhes der na veneta. Deve existir um elemento de disciplina e autoridade: a questão é até que ponto, e como deve ser exercido.
(Bertrand Russell, Ensaios céticos.)

4- Do ponto de vista do autor, fica claro que a liberdade
a)   é essencial à criança e sua falta é prejudicial, quando não se entende o porquê da restrição.
b)   não deve ser concebida de forma absoluta, havendo necessidade de que sejam coibidos os excessos.
c)   é um modo de a criança desenvolver-se de forma independente, quando criada sem restrições.
d)   deve ser tolerada para que não haja prejuízo ao desenvolvimento pessoal e social da criança.
e)   serve para atos de prejuízo pessoal, por isso não possui nada que seja realmente bom à criança.

5-   As liberdades não toleradas
a)   dizem respeito a fatos externos ao ambiente escolar.
b)   comprometem o rendimento escolar da criança.
c)   representam riscos à integridade da criança e de adultos,
d)   impedem que a criança se desenvolva plenamente.
e)   são exemplos de disciplina e autoridade.

6- - Quem advoga a liberdade da educação não quer dizer que as crianças devam fazer, o dia todo, o que lhes der na veneta.
O termo advoga deve ser entendido como
a)   impõe.
b)   afirma.
c)   estuda.
d)   exige.

e)   defende. 

TEXTO 4

É por causa do meu engraxate que ando agora em plena desolação. Meu engraxate me deixou.
Passei duas vezes pela porta onde ele trabalhava e nada. Então me inquietei, não sei que doenças mortíferas, que mudança pra outras portas se passaram em mim, resolvi perguntar ao menino que trabalhava na outra cadeira. O menino é um retalho de hungarês, cara de infeliz, não dá simpatia alguma. E tímido, o que torna instintivamente a gente muito combinado com o universo no propósito de desgraçar esses desgraçados de nascença. "Está vendendo bilhete de loteria", respondeu antipático, me deixando numa perplexidade penosíssima: pronto! Estava sem engraxate! Os olhos do menino chispeavam ávidos, porque sou um dos que ficam fregueses e dão gorjeta. Levei seguramente um minuto pra definir que tinha de continuar engraxando sapatos toda a vida minha e ali estava um menino que, a gente ensinando, podia ficar engraxate bom.
(Mário de Andrade, Os Filhos da Candinha.)

7- A desolação por que passa o narrador resulta
a)   do sumiço do engraxate, por quem o narrador, ao valer-se dos serviços, criara certa afeição.
b)   da ausência do engraxate, de cujos serviços, mesmo precários, aquele se valia.
c)         da presença do menino hungarês, pouco aberto ao diálogo, em substituição obrigatória ao antigo engraxate.
d)         do sumiço do engraxate com quem ele evitava a todo custo criar laços afetivos.
e)         da necessidade dos serviços do tímido menino hungarês, que certamente não chegaria a ser bom engraxate.

8- A timidez do engraxate despertava no narrador um sentimento de
a)   pena dele e daqueles que, como ele, também viviam mal.
b)   repulsa por ele e pelos de sua condição de mal-nascido. X
c)   enternecimento por ele e pelos mal-nascidos, por sua natural infelicidade.
d)   distanciamento dele e daqueles que o viam com interesse.
e)   indignação com ele e com aqueles que pouco faziam para progredir.

9-  É correto afirmar que
a)   o narrador ficou sem engraxate, mas queria encontrar o menino para agradecer pelos bons serviços que recebera.
b)   o menino hungarês é antipático, pois se refere, com ironia, ao outro que, um dia, já esteve trabalhando ao seu lado como engraxate, prestando serviços ao narrador.
c)   a possibilidade de ficar definitivamente sem seu engraxate, que poderia lograr êxito no novo emprego, perturbava demais o narrador. 
d)   o espírito generoso do narrador com o engraxate, ficando freguês e dando gorjetas, não foi suficiente para evitar ser maltratado pelo menino.
e)   a forma dissimulada como o menino hungarês trata o narrador naquele momento difícil mostra-o como se estivesse se divertindo com a situação.

TEXTO 5

A CASA DAS ILUSÕES PERDIDAS

Quando ela anunciou que estava grávida, a primeira reação dele foi de desagrado, logo seguida de franca irritação. Que coisa, disse, você não podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você não tem cabeça mesmo, não sei o que vi em você, já deveria ter trocado de mulher havia muito tempo. Ela, naturalmente, chorou, chorou muito. Disse que ele tinha razão, que aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre sonhara com isso, com a maternidade - e agora que o sonho estava prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.
- Por favor, suplicou. - Eu faço tudo que você quiser, eu dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas, por favor, me deixe ser mãe.
Ele disse que ia pensar. Ao fim de três dias daria a resposta. E sumiu.
Voltou, não ao cabo de três dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com uma barriga avantajada que tornava impossível o aborto; ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo - estava certa de que ele vinha com a mensagem que tanto esperava, você pode ter o nenê, eu ajudo você a criá-lo.
Estava errada. Ele vinha, sim, dizer-lhe que podia dar à luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negócio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que não tinham e que agora seria o lar deles, o lar onde - agora ele prometia - ficariam para sempre.
Ela ficou desesperada. De novo caiu em prantos, de novo implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre, cedeu.
Entregue a criança, foram visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:
- Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.
Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.
(Moacyr Scliar, Folha de S.Paulo, 14.06.1999.)

10-  No texto, a idéia de ilusões perdidas diz respeito à
a)   realização da maternidade que, na verdade, não atinge a sua plenitude.
b)   desolação da jovem mãe ao ver que a casa recebida não era luxuosa como concebera.
c)   alegria da mãe com a casa e à superação da tristeza pela doação da criança.
d)   melancolia da mãe por programar todas as crianças que teria para trocar por casas.
e)   certeza do homem de que a mulher não formará com ele um lar na casa nova.

11-  O casal age de modo contrário aos sentimentos comuns de justiça e dignidade. No contexto da narrativa, tais comportamentos explicam-se
a)   pela falta de amor que há entre a mulher e o companheiro, fazendo com que tudo que os rodeia se torne um negócio vantajoso.
b)   pelo amor exagerado que a mulher sente e pela confusão de sentimentos que o companheiro vive na descoberta desse amor.
c)   pelo ódio exagerado que a mulher sente do companheiro e pela forma displicente e pouco amável como ele a vê.
d)   pela submissão exagerada da mulher ao companheiro e pela forma mesquinha e interesseira como ele resolve as coisas.
e)   pela forma irresponsável com que a mulher age em relação ao companheiro, o que o faz tomar atitudes impensadas.

12-  "Ele não disse nada, mas ficou pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo."
As duas frases finais do texto deixam evidente que ter mais filhos
a)   é uma possibilidade pouco atraente para o casal que, por hora, já conquistou algo à custa de sofrimento.
b)   será para o casal uma forma de alcançar a felicidade, já que a mulher e seu companheiro poderão ter a casa cheia de crianças.
c)   pode tornar-se lucrativo na ótica do companheiro, embora a mulher ainda veja isso com olhos sonhadores.
d)   se torna uma forma de compensar o episódio pouco feliz da doação do primeiro filho do casal.
e)   não alteraria em nada a vida do casal, já que não haveria como fazer os dois esquecerem a criança doada.


GABARITO

1- C
2- E
3- A
4- B
5- C
6- E
7- A
8- B
9-  C
10-  A
11-  D
12-  C


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